ENTREVISTA COM EXCELENTÍSSIMO SENHOR EMBAIXADOR MALAM DJASSI
Dr. Malam Djassi
1-Conosaba: O
Senhor Embaixador nasceu em Bissau, certo? Por outro lado, o senhor tem
fortes ligações umbilicais a Mansoa (Mancalam), porquê? Tem orgulho de
ser um neto de Mansoa?
Dr. Malam Djassi: É certo que nasci em Bissau, mas guardo lindas recordações de uma parte da infância passada em Mansoa. A minha avó materna, Cadi Sambu era de Mancalam, o que fez com que eu e os muitos primos passássemos o nosso tempo entre essa localidade, Ksanah e Mansoapropriamente
dita. Foi uma infância muito feliz, recordo-me do trabalho que dava ao
meu pai quando ia me buscar para o início das aulas em Bissau. Não
queria sair de Mansoa, porque aí sim, é que era a boa vida sem os
horários da escola e outras preocupações.
2-Conosaba: O Clube de Futebol “Os Balantas”,
de Mansoa já foi um dos mais prestigiados na história de futebol na
Guiné-Bissau. Fundado em 1946, foi o primeiro clube campeão de
Guiné-Bissau após a independência (...), o senhor é fã, adepto incondicional do Clube de Futebol “Os Balantas” de Mansoa? Inclusive os seus tios e primos jogaram e fizeram história neste grande clube, por favor comente?
Djassi: Alguns
tios e primos meus fizeram História no clube Os Balantas e lembro-me
que me levavam a assistir a alguns jogos no campo, que continua ainda no
mesmo lugar de sempre. Apesar de não ser grande adepto do futebol, o
clube Os Balantas era quase assunto de família, porque o patriarca, o
meu avô Anssumane Queta, vibrava com o feito dos filhos nos grandes jogos. Lembro-me do meu tioMarabu, dos primos Sila, Sulai e do José Anssumane Queta que deu o nome ao estádio da localidade de Bula.
3-Conosaba: O Senhor Embaixador confirma que ofereceu recentemente (por intermédio da Associação de Amizade Matosinhos/Mansoa) vários equipamentos de futebol ao seu Clube de coração ‘os Balantas’ de Mansoa, 22
pares de camisolas, calções, meias, pares de botas, caneleiras, fatos
de treinos, toalhas, bolas, cones de treino, coletes de treino, bonés,
luvas, apitos etc. Foi uma iniciativa inédita da sua parte. Nunca nenhum
filho de Mansoa teve este gesto tão importante e crucial para o
desenvolvimento do Futebol em Mansoa. Em suma, apoiando o Clube de todos
nós os BALANTAS DE MANSOA.
Djassi: Já
havia prometido a anterior Direcção do clube ver em medida poderia
ajudar a equipa em contactos com outros clubes daqui da Alemanha, além
de material desportivo. Mas por diversos motivos tal não se verificou,
acabei por não poder ficar insensível ao apelo desta nova Direcção e
encetei contactos ao nível do clube Bayern de Munique, onde tenho alguns
amigos, a quem falei de clube futebol Os Balantas de Mansoa. Este será o
primeiro lote completo de equipamentos oferecido ao clube por uma
Empresa que pretende investir na Guine-Bissau. Outro empresário que já
oferecera material hospitalar ao nosso país, manifestou interesse em
apoiar a Selecção nacional bem como Os Balantas de Mansoa.Devo recebê-lo na próxima semana porque está interessado a deslocar-se a Guiné-Bissau muito rapidamente.
4- Conosaba: Qual é a razão que o levou a apoiar o Clube Futebol os Balantas de Mansoa? Se sim. Comente.
Djassi: Penso
que a História de um clube como Os Balantas não se deve perder assim,
porque um povo sem memória, é um povo morto. Lembro-me de ter assistido
muitos filmes no cinema do clube, além de torneios de hóquei em patins, e
de basquetebol. Por outro lado, a juventude de Mansoa deve ter razões
para querer continuar a viver e a trabalhar na cidade. Isso só será
possível, se houver infraestruturas e outras condições que tornem
agradável esta pérola do Oio. Mansoa já foi uma terra "sabi de mass"!
5-Conosaba:
Consta-se que, o Senhor. Embaixador quer ajudar o clube a concretizar
grandes projectos através de parcerias com alguns clubes europeus para
que o nosso clube volta a ser o que era no passado, isto é: ganhar
muitas taças, campeonatos nacionais e devolver a alegria aos Mansoenses,
é verdade isso?
Djassi: Sim, é certo que existem contactos com o Bayern de Munique, e
só não fomos mais longe ainda por causa do Europeu, que alterou todo o
programa. Mas, se a Direcção de Os Balantas for séria e estiver
empenhada, eu posso ajudar a abrir as portas, mas o resto terão que ser
eles a fazer, porque não percebo nada do futebol e não saberia negociar
convenientemente. Com o esforço e empenho de todos poderemos recuperar
prestígio do clube.
6-Conosaba:
Uma das iniciativas desta nova direcção do clube centra-se mais no
diálogo (contacto directo) com filhos e amigos de Mansoa, que vivem fora
do País para ajudar a erguer de novo as infraestruturas completamente
degradadas do clube. O que lhe parece esta iniciativa, Sr. Embaixador?
Djassi: É
uma iniciativa bastante louvável, porque não conheço ninguém, que tenha
uma ligação de perto ou de longe com Mansoa, que não sinta o abandono a
que a cidade e o clube estão votados. Apelando à mobilização dos filhos
e amigos de Mansoa na diáspora, estou certo de que a Direcção irá
conseguir bons resultados.
7-Conosaba:
Com a globalização, a emigração tem-se tornado cada vez mais um assunto
que desperta muito interesse, por parte dos estudiosos. A emigração tem
ganho um forte cunho nas Relações Internacionais, já que com a alteração
do Sistema de Relações internacional, o Estado deixou de ser o único
actor da cena Internacional, concorda com esta afirmação ou não?
Djassi: Não
é algo recente o que estamos a verificar hoje, um pouco por todo o
lado, no passado recente houve movimentos populacionais muito
importantes e, em diversas direcções. Torna-se mais visível hoje
devido à globalização das comunicações e da facilidade com que nos
deslocamos de um lugar para outro. Mas os Africanos emigram mais para
dentro do próprio continente do que para fora, por isso todo o barulho
que se faz a volta da emigração é um falso problema.
É claro que
temos que melhorar o governo dos nossos países, oferecendo mais e
melhores condições de vida para as nossas populações. Nada justifica
tanta miséria, doenças, precariedade da vida, num continente tão rico
como África. Trata-se de uma questão de amor próprio, ambição, o que no
idioma mandinga (mandinkan) se diz "hammo"!
8-Conosaba:
Senhor Embaixador, na sua opinião, a Guiné-Bissau deveria dar mais
importância a nossa Diáspora no que diz respeito a Política externa para
alavancar o desenvolvimento do País?
Djassi: O
nosso país deve ter uma verdadeira política de emigração, tendo em
conta o número importante de guineenses que vivem no exterior, e quase
todos com a remota vontade de regressar um dia ao chão patreo. Temos que
pensar na educação, na saúde, e mais infraestruturas. Mas por outro
lado a nossa diáspora tem que ser mais ambiciosa e querer mais, nos
lugares onde se encontram, lutando por uma mais efectiva integração,
assumindo protagonismo, não se limitando apenas a pequenos trabalhos de
sobrevivência. O primeiro deputado da Alemanha é um indivíduo do
Casamanse com quem me comunico num idioma bem africano, o mandinkan e o
próximo será certamente uma jovem camaronesa de Freiburg. Mas existem
guineenses que poderiam aspirar a esses lugares.
9-Conosaba: Nós sabemos que Sr. Embaixador vive em Berlim. Há
muitos guineenses a viverem na Alemanha? Quantos são? Onde trabalham? E
os estudantes? Existem Associações guineenses na Alemanha?
Djassi: Com
a crise que se abateu sobre os países do sul da Europa, muitos
guineenses vieram para a Alemanha, a procura de novas oportunidades. O
grosso da emigração se encontrava na cidade portuária de Hamburgo e que
conta com uma Associação presidida por uma senhora muito dinâmica, a Solange Barbosa, estamos
a tentar ver se os de Berlim também conseguem criar uma Associação que
melhor possa defender os seus interesses. Nos próximos dias farei uma
visita oficial as autoridades de Hamburgo, com o objectivo de lhes falar
da nossa comunidade e do seu apego a essa cidade hanseática
10-Conosaba:
Tem muitas ou poucas saudades do Porto (cidade invicta)? Cidade onde o
Senhor fez a licenciatura, ainda tem boas recordações daquele tempo de
estudante?
Djassi: A
cidade do Porto tem um lugar muito especial no meu coração. Passei nela
momentos inolvidáveis, a minha formação, os amigos para toda a vida que
aí fiz, os colegas, os lugares, o cheiro, a comida e as suas gentes sem
esquecer o falar a Porto que gostava de escutar no Bolhão. A Invicta é a
minha outra cidade!
11-Conosaba: Após a independência na Guiné-Bissau, surgiram muitas bandas musicais no nosso país,certo? Consta-se
que o Sr. Embaixador fez parte de uma delas, é verdade? Cantou ou tocou
algum instrumento musical na banda onde esteve?
Djassi: Cheguei a música pelas mãos do Atchutchi, que
após a sua chegada a Bissau, nos primórdios da independência, criou um
grupo coral do qual fiz parte, e mais tarde levou-me para o Mama Djombo.
Algum tempo depois, estava no Pó Ferro, com o Guilherme Semedo,
Marceano Sousa Cordeiro, e
outros, e mais tarde transferi-me para o Mbaranso, grupo no qual, sem
falsa modéstia, marcamos o panorama musical Guineense. Já não cantávamos
só músicas de amor e glória dos combatentes, mas também críticas
mordazes do que já se vivia, o que nos valeu alguns dissabores, apesar
de sermos um conjunto musical ligado a UNTG. Cantava juntamente com o
Daniel, Sene, Domingos Yoga e Ntchoba, enquanto que o Kakaio, Dutche,
Herculano, Sisse, Nununo, Beto eram os guitarristas; o Julião e o Tadeu
estavam na percussão. Mais tarde agregamos uma secção metálica com o
exímio Augusto Agebane e o Amona. O conjunto acabou porque muitos foram
estudar e outros ainda hoje estão ligados a música . Mas é nossa
intenção reunirmo-nos um dia para gravar um CD como testemunho da nossa
passagem na História da música Guineense. De vez em quando a Rádio
nacional Guineense passa as nossas músicas.
12-Conosaba:
Conte-nos um pouco sobre como começou o seu interesse pela diplomacia?
Teve a influência de alguém para ser diplomata de carreira?
Djassi: Sempre
quis ser diplomata desde o dia em que vi a imponência com que Queba
Biram Cisse, o primeiro Embaixador do Senegal em Bissau entrava numa
recepção, na antiga Associação Comercial.
Principais referências e inspirações
E depois ver
homens como Alexandre Nunes Correia, Boubacar Toure e tantos outros,
despertou em mim a curiosidade de entender essa coisa de representar o
seu país. Ao concluir a minha licenciatura no Porto, recebi o honroso
convite do Chefe de Gabinete do MNE na altura o actual Embaixador Soares
da Gama. Nem pestanejei, aceitei logo e regressei quase de
imediatamente a Bissau. Lembro-me que na minha primeira entrevista com o
Ministro Júlio Semedo, ele quis que eu ficasse logo nos seus serviços e
aí comecei a aprender o ofício de ser diplomata ao lado de João Soares
da Gama. Uns meses depois vim para um estágio de Formação Diplomática e
Consular com a duração de um ano no Palácio das Necessidades em Lisboa.
Depois disso, a minha carreira estava lançada, e um ano depois nos Altos
Estudos Internacionais em Genebra, parto para o meu primeiro posto em
Portugal, com o Embaixador Adelino Mano Queta. Nesse posto tive o
privilégio de participar activamente em todo o processo que levou a
constituição da CPLP. Tem sido uma profissão gratificante que abriu
horizontes que não ousava imaginar e pude conhecer gente remarcável. É
um aprendizagem constante e gosto do meu trabalho.
13-Conosaba:
Para terminar, Sr. Embaixador, o Picasso representou a Paz por uma
Pomba Branca. Se tivesse que representar a Paz na sua terra,
Guiné-Bissau como o faria?
Djassi: Os
Guineenses são por natureza um povo pacífico. Quando a ambição
desmedida fez com que, alguns perdessem a vergonha e o respeito um pelo
outro, as coisas começaram a sair dos eixos. Mas começamos bem como país
e já éramos citados como exemplo, tendo por isso causado alguma inveja a
alguns países...; como símbolo da paz escolheria o flamingo rosa que
traz os odores do bom tempo das ilhas Bijagos e na lagoa de Cufada,
reafirmando como se tal fosse necessário, a beleza desta terra e das
suas gentes, unidos na sua diversidade.
Feito por: Pate Cabral Djob
Porto, 05 de Julho de 2016
Fim
NOTA: MAIS UM FILHO DE MANSÔA QUE DESEMPENHOU CARGOS NA DIPLOMACIA EM
VÁRIOS PAÍSES. E NESTE MOMENTO DESEMPENHA O POSTO DE EMBAIXADOR
PLENIPOTENCIÁRIO DA GUINÉ-BISSAU EM BERLIM (ALEMANHA).